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Thursday, September 02, 2004

Quinta-Feira, 2

E chega pois o dia da partida para a Bélgica. É a primeira vez em largos meses (anos?) que me levanto da cama ainda com a noite lá fora. Ainda assim, não tardou a amanhecer e um banho rápido despertou-me para as novidades que se seguiriam. Já estava praticamente tudo arrumado desde ontem, pelo que foram rápidos os últimos preparativos antes de seguir viagem para Lisboa. Surpreendentemente, e tendo logo que me levantei notado que a estrada lá fora estava molhada, a viagem até ao aeroporto foi quase toda ela feita debaixo de uma chuva intensa que só abrandou mesmo à entrada da cidade. Apesar de todas preocupações (ou não) com o trânsito, não tivemos qualquer problema e facilmente chegámos ao aeroporto. Era agora tempo de me iniciar no ritual pré-viagem de avião que nunca antes havia feito na totalidade. Já tinha deixado o Jarkko uma vez junto ao check-in e hoje acabei por me relembrar de vários sítios do aeroporto à custa disso.

Chegámos ao balcão de check-in na hora certa. Nem demasiado cedo, nem demasiado tarde, já que cinco minutos depois de lá estarmos a fila dobrou de comprimento. Rapidamente nos chegámos à frente. Afinal de contas a mala de viagem que trouxe é demasiado grande segundo os regulamentos da Virgin Express e tive que a despachar através do serviço de bagagens. Por um lado isto significava algum atraso em Bruxelas, à espera da dita, mas por outro elucidar-me-ia para o procedimento e deixaria assim de ser novidade. Ainda tentámos em seguida obter leitura à borla, mas acabámos por voltar do quiosque de mãos a abanar já que a Virgin Express não fornece esse tipo de serviço aos seus passageiros. Afinal de contas, como é que de outra forma seria possível vender bilhetes de avião tão baratos quanto 49 euros?

Depois de queimarmos algum (pouco) tempo, foi tempo de me despedir do pai e atravessar o portão para passageiros apenas. Não deixa de ser interessante o facto de que a viagem para Bruxelas acaba por ser, mais coisa menos coisa, da mesma duração de uma viagem ao Porto. E o meio de transporte até é provavelmente mais segura. Por isso, com a Europa dos agora 25, e com a livre circulação de pessoas e bens, aliado à evolução dos meios de transporte aéreos nos últimos permite-me acordar na minha caminha em Torres Vedras e ainda almoçar descansadamente uma bela sopinha em Schoten, Antuérpia, Bélgica. Maravilha. Mas onde é que já vou? Ainda estávamos em Lisboa e por enquanto a viagem não é instantânea, portanto vamos regressar novamente onde íamos.

Após passar o dito portão com acesso exclusivo aos passageiros deparei-me com inúmeras lojas de conveniência, restaurantes, tabacarias e cafés. De facto o aeroporto é um mundo do qual nem nos damos conta quando inúmeras vezes lhe passamos ao lado, a 100 km/h, ao longo da Segunda Circular. Acabei por não comprar pastilha elástica como a mãe me havia recomendado e também acabei por não comprar a Bola. A literatura que levava comigo - o livro do Neil Peart e o livro do Mourinho - teriam de servir. Escolhi levar estes livros comigos por duas razões distintas embora com a mesma finalidade. No caso do livro do Neil Peart, trata-se de uma estória solitária e reconfortante. Também eu era naquele momento um viajante solitário - embora acompanhado de outras dezenas de pessoas no avião. Por outro lado, o livro do Mourinho é o livro mais familiar que tenho, o que mais me lembra de casa e com o qual mais me identifico. Enfim, no fundo, uma sensação de familiaridade que, embora eu não estivesse receoso apesar da novidade da situação, sabe sempre bem. Passei então várias indicações no sentido da Porta 11, onde deveria dirigir-me para embarcar, por volta das 9.15. Pelo caminho, a famosa cena do detector de metais. Foi-me solicitado que colocasse o telemóvel, carteira e casaco dentro de um tabuleiro e também a minha mochila à parte, tudo em cima de uma passadeira rolante que passaria por dentro do tal detector. Como é evidente, nada foi detectado e segui então no caminho da última barreira. Ao chegar à porta 11, exactamente às 9.11, foi-me cortado o bilhete, desci dois lanços de escadas até ao nível da pista e embarquei imediatamente num autocarro (transfer?) que me levaria até à porta do avião. Uma curta espera, até encher o veículo, e partimos na direcção do "monstro". Tratava-se de facto de um Boeing 737, da Virgin Express, que não sendo muito grande, impunha sempre o seu respeito, com os seus enormes reactores. Mais uma espera não muito longa dentro do autocarro e eis que se abrem as portas. Pudemos então subir as escadas do avião e receber as boas-vindas da supervisora das hospedeiras de bordo, a Chantal (segundo o crachat que trazia ao peito). Facilmente encontrei o meu lugar a bordo e lamentavelmente não era à janela, como se previa - havia-me esquecido de o pedir no check-in, algo que fica para a próxima - mas sim junto ao corredor. Mesmo assim não ficava longe da janela e podia ver bastante bem o que se passava lá fora.

Uma vez toda a gente instalada e acomodada, foi-nos apresentado muito brevemente o procedimento de segurança e de emergência, tal como o famoso colete salva-vidas ou a máscara de oxigénio que automáticamente pende do tejadilho no caso da pressão dentro da cabina descer a um nível demasiado baixo. Não posso dizer que a tensão tenha sido muito intensa já que algo supreendentemente nunca estive demasiadamente preocupada, mesmo sendo a primeira viagem de avião, mas os momentos após o avião se começar a movimentar, ainda que lentamente, foram diria eu os mais excitantes. Sobretudo pelo facto de tudo ser novidade e não fazer a mínima ideia dos detalhes respeitantes à decolagem e à aterragem. Depois de uns minutos a seguir em marcha lenta (mais tarde apercebi-me que serviram para perfazer o caminho até à recta de decolagem propriamente dita) que se revelavam intermináveis, chegámos pois ao momento decisivo. O avião parou e começou novamente a andar em ritmo lento. Já me questionava eu acerca de todo o procedimento quando de repente sou "atirado" contra o banco, olho pelas janelas e vejo a paisagem a passar a uma velocidade cada vez maior. Bem dizia o Tiago que me iria sentir impressionado com a aceleração do bicho. Assim sim, era possível descolar e foi o que aconteceu. Não vou esquecer a sensação de leveza quando deixei de sentir as rodas em contacto com o solo e também não devo esquecer tão cedo (relembrá-lo-ei na próxima terça-feira, certamente) a desorientação e a depressão no estômago que senti cada vez que o avião balançava a ganhar altitude. Ver Lisboa, ainda que de uma perspectiva absolutamente espectacular, mas completamente de lado, num ângulo esquisitíssimo, também não ajudava nada.

Mas rapidamente as coisas estabilizaram e foi tempo de tirar o livro do Mourinho cá para fora e voltar a ler mais uma vez os relatos da sua passagem por Leiria, há três anos atrás. O voo decorreu nas duas horas e meia seguintes sem problemas de maior, apenas alguma trepidação aqui e ali mas nada que chegasse para assustar. Assustador, no bom sentido, foi ouvir da boca do nosso capitão que a temperatura exterior, numa altura que sobrevoávamos o norte de Espanha era de -32ºC! Houve ainda tempo para conhecer a casa de banho do avião e para ficar intrigado com o facto que de cada vez que a hospedeira-chefe falava aos passageiros, bem como o capitão, parecia falar muito mais em francês do que em inglês. Isto apesar de supostamente dizer a mesmíssima coisa. Senti-me um pouco como o Bill Murray no "Lost in Translation" quando chega ao Japão e a sua tradutora de serviço traduzia em meia dúzia de palavras o que o produtor japonês dizia em mais de uma centena.

Depois de ler então os episódios do Mourinho em Leiria e mais umas páginas do "Ghost Rider" do Neil Peart, era hora de aterrar em Bruxelas. Cintos de segurança apertados e lá se iniciou a descida gradual para o aeroporto. A maior diferença que notei de imediato foi a paisagem. Enquanto o nosso país é extremamente acidentado, com inúmeros montes, maiores e mais pequenos, a Bélgica é completamente plana. E quando digo completamente, digo-o com um traço de sublinhado por baixo. É que ainda não vi uma única elevação de terreno sequer. De resto, do ar, o território Belga, pelo menos nas imediações de Bruxelas é uma tapeçaria lindíssima de terrenos cultivados e de dispersas povoações e aglomerados habitacionais. É uma diferença enorme para o que estou habituado e ainda mais haveria de sentir isso quando mais tarde chegasse a Schoten. A aterragem era no fundo o que mais apreensão me causava por desconhecer de todo o procedimento. Afinal de contas, é o impacto do avião com o chão. No fim acabou por ser, quanto a mim, o mais suave possível e a travagem não menos impressionante que a aceleração em Lisboa. A pouco tensão que se havia instalado em mim de repente desapareceu e era tempo de desentorpecer as pernas. E que belo desentorpecimento haveria de ter dali a minutos!

Cinco minutos depois estava já a pé e fora do avião. Era tempo de recuperar a minha mala de viagem e de me encontrar com o Tiago. Além disso, era tempo de contactar com os velhotes em Portugal que haveriam de querer saber notícias minhas. Enquanto seguia as intermináveis indicações de Saída/Bagagem, tentei ligar mas as primeiras tentativas saíram frustradas. Era agora 13.40, hora de Bruxelas (menos uma em Portugal), e já tinha uma mensagem no telemóvel (que acabara de voltar a ligar, já que é expressamente proíbido o seu funcionamento durante o voo) para ligar logo que possível. Lembrei-me que se calhar era melhor usar o prefixo internacional de Portugal (+351) e então tive sucesso. Contactos feitos e fazendo saber que não podia estar melhor, era altura de ir buscar a bagagem. Depois de subir e descer escadas rolantes até ao fim do mundo, cheguei aos tapetes rolantes onde se faz o que agora chamo de "passagem de modelos das bagagens". Existiam vários tapetes diferentes e fiquei na dúvida em qual poderia estar a minha mala. Isto proporcionou-me o primeiro momento de barraca do dia. Perguntei a uma rapariga, também passageira, que me apercebi falava português, como poderia saber ao certo em que tapete estaria a minha bagagem, ao que ela responde que se eu vinha também de Lisboa, seria no tapete 3 mas que poderia ver nos monitores. Os monitores! Tantos monitores pendurados no tecto com toda a informação e eu feito parvo às voltas à procura sabe-se lá do quê. Serviu-me de lição. Finalmente, ao fim de uns dez minutos, lá apareceu a minha Samsonite, não sem antes ter pegado noutra igualizinha por engano que afinal pertencia a um tal Tito... Depois disso, a saída de passageiros era logo ali à frente e deparei-me imediatamente com a já clássica cena do aglomerado imenso de pessoas de olhos postos na porta de saída, a brilhar à espera dos seus familiares, amigos ou colegas. O Tiago também lá estava e imediatamente me viu, pelo que feito o reencontro nos encaminhámos para o carro, finalmente na direcção de Schoten, com os pés (pneus?) agora já bem assentes no chão.

Chegámos a Schoten, e o espanto foi enorme. Não tem nada a ver com Portugal. Esqueçam os prédios de mil andares que proliferam por Lisboa, Porto e outras cidades do nosso país. Aqui as casas são todas iguais, todas em tijolo muito bem arranjado e todas alinhadas ao longo de ruas lindíssimas que, pegando nas palavras do Tiago, parecem tiradas de um qualquer livro do Harry Potter. O sossego em Schoten é tal que impressiona e posso mesmo dizer que, apesar do meu conhecimento em termos de viagens ser muito reduzido, nunca vi melhor sítio para viver do que aqui. Toda a gente, tem a sua garagem, a sua caixa do correio é frente do pequeno jardim ou canteiro e um quintalzinho nas traseiras. Para além disso, os passeios para bicicletas são omnipresentes e também aqui a bicicleta é o meio de transporte de eleição. É uma cultura completamente diferente, recheada de pequenos pormenores, que fazem deste país algo único e extremamente distinto de Portugal. Não só em aspecto mas sobretudo em mentalidade. Mas sobre isso, outro dia falarei mais.

Almoçámos uma sopa (muito boa, de resto) e pão com queijo que o Tiago me trouxe da P&G onde trabalhou até hoje (e espera-se que volte para o ano!). Entretanto a Filipa foi buscar o Samuel (Samemel para os amigos!) e alegria dele é contagiante. Estivémos a brincar com ele no quintal e seguimos, de bicicleta como convém, para o parque de Schoten, a escassos metros de casa. Deixámos o Samuel com a mãe a brincar alegremente no parque de diversões, nos escorregas e afins, e eu e o Tiago seguimos de bicicleta a conhecer mais do parque e dos arredores. Estando o tempo tão bom como hoje - sol, céu limpo e temperatura amena, aparentemente uma raridade por aqui - quem é que precisa de carro quando existem tão boas condições para pedalar? Fomos dar a um dos canais que por aqui abundam e foi lá que vimos barcos que são, de facto, moradias de gente! Autênticas habitações marítimas, completas com janelas e os respectivos cortinados e até o carro da família no topo do barco! Algo que seria se calhar absurdo em Portugal. Começou então a dar a fome e a sede aos dois, sendo então tempo de regressar à base para um retemperador lanche. Aproveitei então para colocar fazer algum gelo na perna lesionada e logo depois disso vim então ao computador instalar o CM a partir do CD-ROM que trouxe de Portugal. Entuasiasmei-me com um jogo que comecei ontem no Benfica depois de ter sido despedido do Chelsea. Decidi experimentar construir uma equipa é volta de veteranos que estão sem clube na base de dados do jogo e ver como jogavam todos em conjunto. Então contratei a custo zero jogadores como Luis Enrique, Alexander Mostovoi, Marc Overmars, Oliver Bierhoff, Fernando Couto, David Batty, Kinkladze ou Abel Xavier. E não é que se estão a dar optimamente bem e a fazer uma carreira notável na Liga dos Campeões? Deve ser a experiência que lhes é conferida pela sua veterania... mas adiante!

Tempo de jantar, mais uma vez uma óptima sopa e o que me pareceu ser um arroz de frango que estava bastante bom, a juntar a algum sumo de maçã (applesap em holandês, já sei uma palavra!) e um Ice Tea manhoso com gás, que acabei só por provar.

E eis que chegamos ao presente momento, enquanto escrevo estas linhas. Amanhã há mais e prometo ser decididamente mais breve. Até lá fiquem com duas fotos que considero serem as Fotografias do Dia:







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